Lucas 14, 25-33.

“Quem não carrega a sua cruz...não pode ser meu discípulo”

            Aprofundando o seu ensinamento sobre o discipulado, Jesus aqui expõe as condições para um verdadeiro seguimento. À primeira vista, a leitura pode nos chocar!  Pode até parecer que Jesus esteja ensinando algo que não condiz muito com os ensinamentos cristãos.  Isso especialmente se a tradução da nossa bíblia fala que nós devemos “odiar” os nossos pais e família! (uma tradução literalmente correta).  Mas aqui - de novo - estamos diante do problema das culturas e das línguas.  Pois este texto nos traz um “semitismo”, ou seja, uma expressão de uma língua semita (no case de Jesus, o aramaico) que tem que ser interpretada no contexto da cultura que aquela língua expressa.  O aramaico e o hebraico usavam muitas expressões assim, que não tinham a mesma força que têm em português.  Realmente o termo traduzido por “odiar” significava “desapegar-se”.  Então podemos traduzir em termos inteligíveis portugueses: “Se alguém vem a mim, e não dá preferência mais a mim do que ao seu pai, à sua mãe, à mulher, aos filhos, aos irmãos, às irmãs, e até mesmo à sua própria vida, esse não pode ser meu discípulo”. (v. 26)

 

             Jesus quer deixar bem claro - como ele faz muitas vezes “na caminhada” - que a opção pelo Reino necessariamente exige renúncias.  Não só renuncia do mal e do pecado, mas renúncia de coisas altamente positivas em si; não renúncia por renunciar, mas em vista dum bem maior - o Reino de Deus, o único bem que pode satisfazer plenamente os anseios mais profundos do coração humano.  Por isso, a vinda de Jesus pode ser visto como a crise escatalógica última - pois põe todos nós diante da opção mais fundamental - quais são os valores reais da nossa vida?

No mundo pós-moderno, onde se foge dos compromissos permanentes, onde tudo é relativizado, os desejos individuais são absolutizados, e a subjetividade se confunde com o individualismo, esta proposta soa como contra-cultural.  Pois Jesus nos convida a definir os valores mais profundos da nossa vida - e insiste que nada,  por tão valioso que seja, possa ser mais importante do que a dedicação total ao Reino.  Claro, ele não obriga - estamos livres para recusar esta exigência - mas então não seremos discípulos dele!  Aqui põe em cheque a vivência do cristão que “não é frio nem quente, mas morno”, e por isso mesmo “está para ser vomitado da minha boca” ( Ap. 3 16).

            O tema da cruz reaparece aqui - e de novo lembramos que “carregar a cruz” não é de maneira alguma simplesmente “sofrer”.  É a conseqüência de uma coerência com o projeto e a proposta de vida de Jesus.  É condição imprescindível para quem quer ser discípulo dele: “Quem não carrega sua cruz e não caminha atrás de mim, não pode ser meu discípulo” (v.27).  Podemos dizer que, se o trecho que precede este texto (vv 15-24, “Um Rei fez um grande banquete”) enfatiza a gratuidade do chamamento da parte de Deus, estes versículos salientam o outro lado da medalha - a resposta incondicional dos discípulos.  Todo o Evangelho de Lucas - como também os outros - deixa bem claro que esta resposta é a meta da nossa vida.  Ninguém começa a caminhada com total dedicação ao Reino - mesmo que pense que faz!  É na caminhada de anos, com as nossos incoerências, tropeços, erros, e traições, que a gente aprende a ser discípulo/a.  A experiência de Pedro e dos Doze que nos diga!

            As duas parábolas seguintes - a do construtor tolo e do Rei que vai à guerra - nos ensinam a necessidade de reflexão antes da ação.  Ou seja, aqueles que querem seguir Jesus devem refletir sobre o preço a pagar.  A situação triste do construtor falido e do rei derrotado são símbolos da situação do discípulo que desistiu “pelo caminho”.

            A reflexão sobre as exigências do discipulado pode nos desanimar diante da realidade das nossas fraquezas, a não ser que reflitamos também sobre a gratuidade de Deus que não nos abandona, mas nos ama como somos, e nos dará forças para a caminhada.  Assim foi a experiência do grande discípulo Paulo, que após longos anos de experiência, incluindo as maiores experiências místicas e os maiores sofrimentos, pôde afirmar com toda a sinceridade: “Eu não consigo entender nem mesmo o que faço; pois não faço aquilo que eu quero, mas aquilo que mais detesto...Não faço o bem que quero, e sim o mal que não quero”(Rom 7,15s).  Mas mesmo assim, reconhecendo os fracassos e falhas na sua caminhada de discípulo, exclama com alegria: “Portanto com muito gosto, prefiro gabar-me das minhas fraquezas, para que a força de Cristo habite em mim.  É por isso que eu me alegro nas fraquezas, humilhações, necessidades  perseguições e angústias, por causa de Cristo. Pois quando sou fraco, então é que sou forte ( 2 Cor 12,9s).

            Pois, se ele fez a experiência das exigências inerentes ao seguimento de Jesus ele também fez a experiência da graça de Deus: “Para você, basta a minha graça, pois é na fraqueza que a força manifesta o seu poder” (2 Cor 12,9). 

Não tenhamos medo de assumir o desafio que Jesus hoje nos lança, pois ele nos dará a graça necessária para a caminhada.  Basta querer e pedir!

Tomaz Hughes SVD

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