Lucas 16,1-13

 

“Quem é fiel nas pequenas coisas, também é nas grandes”

 

            Este texto faz parte de um capítulo aparentemente fragmentado, mas que realmente tem como tema unificador o uso dos bens materiais em benefício dos outros, especialmente dos mais necessitados.  Divide-se em quatro segmentos inter-relacionados: vv. 1-8a; vv. 8b- 13; vv. 14-18; vv. 19-31.  Três destes trechos serão usados hoje e nos próximos dois domingos.

            A interpretação popular da primeira parte - a história do “Administrador Injusto”, traz muitos problemas para os pregadores.  Pois, aparentemente, Jesus está elogiando quem agisse de maneira desonesta.  Tal interpretação é moralmente inaceitável.  Por isso temos que olhar bem a história - os estudiosos não estão de acordo se se trata de uma parábola, ou uma “história-exemplo”, que Lucas também usa muito ( 10,29-37; 12,16-21; 16,19-31;18,9-14).

            Para que entendamos melhor o contexto da história, é bom saber que os documentos da época atestam que freqüentemente se usava o sistema aqui relatado. Como a cobrança de juros era proibida pela Lei, o administrador embutiu o ágio na “nota promissória”.  Por exemplo, uma pessoa talvez tivesse emprestado 200 litros de azeite, mas por causa dos juros de 100%, a sua conta acusava 400 litros. Então, na história de Lucas, o administrador, enfrentando a demissão, resolve na mesma hora vingar-se do seu patrão - reduzindo as contas devidas ao seu valor real, e assim perdendo para ele os juros - e fazer amigos para ele mesmo, entre os devedores..

            O “patrão” ou “Senhor” a que se refere o v. 8a não é Jesus, mas o “homem rico” do v.1.  Ele “elogiou” o administrador desonesto, por sua esperteza!   A palavra grega aqui traduzida por “esperteza” significa uma estratégia prática visando alcançar um fim determinado.  Tem nada a ver com a virtude, no sentido mais geral de agir com justiça.  Assim embora possa parecer, à primeira vista, que Lucas esteja elogiando a desonestidade, a interpretação mais exegética diz que o que deve ser imitado não é a desonestidade, mas o bom senso na administração dos bens materiais.

            Para os que entendem o trecho como uma verdadeira parábola, há duas explicações possíveis; uma diz que o que Jesus quer ensinar é que os seus discípulos, quando confrontados com a decisão de seguí-lo ou não, devem agir de maneira decisiva, como fez o administrador quando confrontado com a sua situação de crise, e não vacilar.

            Outra interpretação vai na direção do “contraste”: o sentido normal de justiça não condiz com a atitude condicente do patrão em v.8.  Assim se faz contraste entre a maneira de agir dos homens e de Deus.  Este ponto de vista corresponde com outros ensinamentos em Lucas sobre a nova justiça, a justiça do Reino e a dos homens - os critérios da “justiça do Reino de Deus” não são os da sociedade, mas exigem o perdão e o relacionamento com os inimigos.

            A segundo parte do trecho - vv. 8b - 13 - são aplicações práticas de como os discípulos devem usar os bens materiais.  Indica o entusiasmo dos “que pertencem a este mundo” como exemplo para os discípulos que muitas vezes são insossos no seu seguimento de Jesus. “O dinheiro injusto”, que pertence a um mundo com princípios de exploração, pode até servir aos discípulos quando usado para a partilha com os necessitados, que se converterão em “amigos que “vão receber vocês nas moradas eternas” ( v.9).

            Outro ponto destacado é a necessidade de fidelidade diária.  Se nós partilhamos os nossos bens na convivência quotidiana, ganharemos os verdadeiros bens imperecíveis como prêmio eterno.  Mas isso exige fidelidade e lealdade total a Deus - a alternativa é sucumbir às tentações da injustiça que escraviza, - e a gente fica leal a este Deus através da partilha dos bens, especialmente com os mais necessitados.

            Embora possamos discutir e debater sobre interpretações minuciosas do trecho, uma coisa é inegável - Jesus quer advertir os seus seguidores sobre a tentação de escravizar-se com o dinheiro, e na mesma hora, exigir que a partilha material seja ponto marcante da vivência dos seus discípulos!

Tomaz Hughes SVD

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