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Lucas 20, 27-38

“Deus não é Deus de mortos, mas de vivos”

            Mais uma vez, a nossa leitura exige que a gente tenha alguma noção dos partidos político-religiosos do tempo de Jesus.  Depois de termos encontrado “os Fariseus”, “os Escribas”, e “os Herodianos”, entram em cena “os Saduceus”!  Para entender a controvérsia no texto, é imprescindível conhecer algo sobre este partido.             Não é absolutamente claro qual é a origem do nome “Saduceu”.  Alguns estudiosos acham que vem do nome do Sumo Sacerdote de Davi, “Sadoc”, enquanto outros, diante do fato de que muito dos seus membros eram leigos, acham mais provável que o nome venha duma palavra hebraica que significa “justo”.  Eles se consideravam “os justos” (uma ilusão também partilhada por outros partidos da época, como os fariseus e os essênios!).  A primeira menção deles é do tempo dos Macabeus (cerca 130 ªC.) quando fizeram parte de uma delegação judaica que foi à Roma.           Podemos dizer que eles representavam a “elite conservadora” do judaísmo do tempo de Jesus.  Defendiam os interesses da classe alta de Jerusalém, os grande comerciantes e donos de terras, e dos “donos” do Templo - uma fonte de muito lucro.  No tempo dos Romanos, praticamente todos os Sumos Sacerdotes vieram deste grupo.  Dominavam o Sinédrio, ou Grande Conselho (realmente seriam eles os responsáveis pela morte de Jesus), colaboravam com os Romanos, desprezavam o povo simples - ao contrário dos fariseus e escribas, não tinham muito influência com eles -e mantinham uma interpretação conservadora da Escritura, não admitindo a tradição oral, limitando-se ao Pentateuco, ou “Torá”.  Não aceitavam a doutrina da ressurreição dos mortos, nem a dos anjos, e eram opositores dos fariseus.

            A partir da lei do casamento levirítico do Livro de Deuteronômio, eles propõe para Jesus um argumento - que nos poderia parecer absurdo - para contestar a doutrina tardia da ressurreição dos mortos.  Vale a pena lembrar-nos do que diz Dt 25,5-6: “Quando dois irmãos moram juntos e um deles morre sem deixar filhos, a viúva não sairá da casa para casar-se com nenhum estranho; seu cunhado se casará com ela, cumprindo o dever de cunhado.  O primogênito que nascer receberá o nome do irmão morto, para que o nome deste não se apague em Israel”.  Certamente uma lei que para nós parece no mínimo estranha!  Mas na época antes da fé na ressurreição, era de suma importância para Israel que o nome de um homem se propagasse nos seus filhos.  Por isso, era dever do irmão sobrevivente suscitar um filho para o falecido, para que este não morresse na memória do seu povo.  Naquele tempo, a família estendida, ou clã, era mais importante do que a família nuclear de hoje.

            Jesus ataca a premissa básica dos Saduceus - para eles a vida vindoura é simplesmente uma continuação desta vida, e por isso precisa da procriação humana.  Em lugar de fazer um argumento casuístico, que não levaria a nada, Jesus apresenta o ponto central da Escritura - que Deus é o Deus da vida!  Não criou ninguém para a morte, mas para a vida eterna com ele!

            O argumento dos Saduceus dificilmente encontraria eco entre nós hoje.  Mas como eles nesta ocasião, quantas vezes nós nos preocupamos mais com o que possa acontecer depois a morte, do que com a vida aqui e agora.  Quanta preocupação hoje com o fim do mundo, com as almas e espíritos, com assombração, com supostas visões e revelações - e tão pouca com os problemas práticos que trazem tanto sofrimento aos nossos irmãos e irmãs.  Jesus não permite que nós gastemos tempo e energias com discussões inúteis sobre “como é” a vida além-morte.  Chama a nossa atenção para a vida real - pois é aqui que devemos concretizar o seguimento dele, que veio “para que todos tenham a vida e a vida em abundância” ( Jo 10,10).

            Pode parecer que a preocupação dos Saduceus era ridícula - mas não era mais ridícula do que a dos cristãos que gastam as suas forças em discussões fúteis sobre a vida do além, que ninguém, - segundo Paulo - é capaz de imaginar, enquanto ignoram o Cristo presente nos sofredores ao seu lado.  A fé de Jesus não permite alienação, “Deus não é Deus de mortos, mas de vivos”( v.38), e nos desafia para que vivamos esta fé na  luta para que o mundo sonhado por Jesus se torne realidade.

Tomaz Hughes SVD

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