1º Domingo de Quaresma (05/03/2017) Mt 4, 1-11 “Não só de pão vive o homem”

Os três Sinóticos (Mt, Mc e Lc) relatam a história das tentações de Jesus logo depois do Batismo - Marcos de uma forma resumida, Mateus e Lucas de uma maneira mais elaborada. Devemos lembrar que estes relatos procuram expressar uma experiência interior de Jesus, e não devem ser interpretados ao pé da letra, de uma maneira fundamentalista. Ligando as tentações ao batismo de Jesus, os evangelistas mostram que a experiência dele é como a nossa própria experiência - nós também temos compromisso com o projeto de Deus, individual e comunitariamente; mas entre o nosso compromisso e a sua concretização de uma maneira coerente com a vida de discípulos/missionários/as de Jesus, existem muitas tentações e opções que exigem discernimento! O texto diz que Jesus era “conduzido pelo Espírito ao do deserto” (v. 1). O Espírito não conduz Jesus à tentação, mas O acompanha nas tentações. E como o Espírito Santo não O abandonou no momento de crise, mas lhe dava força, tampouco vai nos abandonar nos momentos de crise e discernimento.  Isso pode ser importante relembrar, pois frequentemente temos uma facilidade em sentir a presença do Espírito de Deus quando tudo vai bem conosco, e uma inclinação para sentirmos até abandonados por Deus quando o caminho e difícil.  Mas o Espírito está sempre conosco, não só nos “prados e campinas verdejantes”  mas também nos momentos de “deserto”.  O início das tentações se dá no deserto. Mateus quer evocar a experiência de Israel, pois para ele Jesus era o Novo Moisés, e a Igreja o Novo Povo de Deus; e, podemos lembrar que no deserto, Moisés e o povo foram tentados e sucumbiram – mas, Jesus é tentado e vence!  Esse paralelismo é muito importante em Mateus, cuja comunidade foi composto majoritariamente por judeu-cristãos, atacados pela liderança sinagogal como traidores da sua herança religiosa.  Por isso, Mt sempre retrata a pessoa de Jesus dentro da história de Israel, não como traidor, mas como ponto alto dessa história.  Olhando bem as tentações, podemos encontrar nelas três grandes tentações da época pós-moderna, também para a vida cristã: as do “Ter”, do “Poder” e do “Prazer”. As tentações de Jesus não são para coisas que são más em si, mas que causariam desvios do plano do Pai. Não é diferente com a vida cristã hoje - raramente somos tentados a assumir algo mau em si, mas, sim, a fazer opções para coisas boas, mas que seriam incoerentes com o projeto de Deus para nós! A tentação vem de forma sutil, disfarçada - vale notar que nas três tentações o diabo não nega a identidade e missão de Jesus, mas a confirma “Se és Filho de Deus”. Também, para nós, a tentação pode se apresentar como algo que não nega a nossa identidade cristã, mas que é condizente com ele, enquanto na verdade não é. Por isso, a necessidade da “vigilância”, para não cairmos em tentação, uma advertência constante dos Evangelhos. Quaresma pode ser tempo privilegiado deste discernimento individual e comunitário.  Primeiro Jesus era tentado a mandar que pedras se tornassem pães. Jesus veio para doar-se como o Servo de Javé - mas logo, no momento do primeiro sacrifício por causa da sua opção, ele é tentado a esquivar-se! É a tentação do “prazer” hoje - entre as mais comuns, em um mundo que prega a satisfação imediata dos desejos, uma sociedade que cria necessidades falsas através de sofisticadas campanhas de propaganda. Estamos em uma sociedade de individualismo, onde a regra dominante é “se deseja, faça!” Uma sociedade onde o sacrifício, a doação e a solidariedade são considerados como a ladainha dos perdedores! As consequências dessa visão são bem exploradas como temas das Campanhas da Fraternidade, inclusive a de 2017, – desde a destruição do Planeta e da vida que existe nele ao tráfico de pessoas humanas para exploração sexual. Jesus não cai na tentação - a resposta dele é contundente: “Não só de pão vive o homem” (v. 4). Jesus enfrenta essa tentação - e as outras - com citações tiradas de Dt 6-8, que versam sobre a primazia da Palavra de Deus como o alimento do seu povo na caminhada. Jesus aqui dá o verdadeiro sentido do seu jejum - Deus é o único sustento da verdadeira vida. Ele, possuído pelo Espírito de Deus, confia no seu Deus para sustentá-lo. A obediência de Jesus como Filho e Servo (cf. Hb 5, 7-8), simbolizada pelo jejum, é agora verbalizada. Jesus confia que o seu Pai vai sustentá-lo em todos os seus sofrimentos e tribulações, provenientes de uma vida coerente com a sua vocação. Uma bela lição para nós, nos momentos difíceis da nossa caminhada cristã! A pessoa humana, para Jesus, vive certamente de pão - mas não só! Jesus não é sádico nem masoquista, contra o necessário para uma vida digna. Salienta muito bem que não é somente a posse de bens (simbolizados pelos pães) que traz a felicidade, mas a busca de valores mais profundos, como a fidelidade à vontade de Deus, a justiça, a partilha, a doação, a solidariedade com os sofredores. Não faz nenhum contraste falso entre bens materiais e espirituais - precisamos de ambos para que tenhamos a vida plena! Com esta frase, Jesus desautoriza tanto os que buscam a sua felicidade e a solução dos problemas do mundo na simples satisfação das necessidades materiais, como os que dispensam a luta pelo pão de cada dia para todos - duas tendências não ausentes entre nós cristãos.  A segunda tentação é de confiar no poder - fazer milagre diante de milhares, para demonstrar o seu poder. A tentação do poder é tremendamente insídia em nós, na sociedade e nas Igrejas. Há mais de um século, um historiador católico inglês, Lord Acton, advertiu que “todo o poder tende a corromper, e o poder absoluto corrompe absolutamente!” Jesus veio como Servo, assumiu a missão do Servo de Javé, mas é tentado a confiar mais no poder, no extraordinário, e não no Deus Libertador e nos pobres e humildes. Quantas vezes a Igreja confiava mais no poder secular do que na fragilidade da Cruz, para “evangelizar”! Quanta aliança entre a cruz e a espada - a América Latina que o diga! E continua corrente esta tentação - de confiar mais nas concentrações nos estádios cheios, com “milagres” e “prodígios”, do que nos grupos pequenos e humildes das comunidades cristãs, dirigidos por pessoas simples, sem pretensões, espalhados pelo Brasil afora! É só olhar as reações contra o Papa Francisco quando ele – nas pegadas de Jesus – prega uma Igreja despojada do poder mundano para ser Servo de Deus e da humanidade, podo em questão a mania pelo poder que assola tantos cristãos, - e, mais perigosamente, se enraíza com facilidade dentro da hierarquia, clero, seminaristas e Vida Religiosa O povo de Deus, que sofre com tanta prepotência das suas lideranças, que diga! .  Somos todos capazes de cair nesta tentação - não a de ter o poder para servir, mas de confiar no poder deste mundo, aparentemente mais forte e eficaz do que a fraqueza de Deus, assim contradizendo o que Paulo afirmava com força “A fraqueza de Deus é mais forte do que os homens” (1Cor 1, 25) e ainda: “Deus escolheu o que é fraqueza no mundo, para confundir o que é forte” (1Cor 1, 27). Jesus, que veio para servir e não para ser servido, que veio como o Servo de Javé e não como dominador, teve que clarificar a sua vocação e despachar o diabo, o tentador, com a frase “Não tente o Senhor seu Deus!” (v. 7).  Não é sem motivo que o Papa Francisco critica essa tendência especialmente entre candidatos para o sacerdócio e vida religiosa.  Como disse “a Vida Religiosa não é lugar para carreiristas nem alpinistas sociais!”, e, falando aos Superiores Gerais “Não precisa ser cardeal para acreditar-se príncipe!  Basta ser clerical!”.  Que ouçam nós padres e seminaristas! A terceira tentação pode ser vista como a do “ter”. Não que o dinheiro seja algo ruim - sem ele não se vive! Torna-se um mal quando chega a ser um ídolo - a fonte de nossa auto-suficiência! É ruim quando se fundamenta a vida sobre ele. Jesus não é tentado a ser um ricaço - mas é tentado no sentido de fugir da sua vocação de ser o messias dos pobres, tão esperado pelos “anawim”, os pobres de Javé, e profetizado por Segundo-Isaías, Zacarias e Sofonias. É tentado a acreditar mais no poder da riqueza do que na pobreza dos seus futuros discípulos de Galiléia.  De novo, algo muito semelhante com a nossa situação atual. Nós temos que viver o nosso compromisso no mundo pós-moderno da globalização do mercado, do neoliberalismo, do “evangelho” do mercado livre. Diariamente, os meios da comunicação de massa trazem para dentro das nossas casas - inclusive casas religiosas - a mensagem de que é necessário “ter mais”, e não importa “ser mais!” Como sempre, a tentação vem de forma atraente - até a Igreja pode cair na tentação de achar que a simples posse de bens, que poderão ser usados em favor da missão, garantirá uma ação mais evangélica. Somos tentados a não acreditar na força dos pobres e simples, de não seguir os passos do carpinteiro de Nazaré. Quantas vezes nós somos tentados a confiar no poderio do dinheiro, como se a compra de instrumentos e aparelhos cada vez mais sofisticados garantisse a evangelização. É certo que devemos utilizar o que a ciência moderna nos providencia, mas, sem confiar nisso como o fundamento da nossa missão. Mais uma vez o Papa Francisco faz ressoar a sua voz profética quando diz “Desejo uma Igreja pobre para os pobres” (Evangelii Gaudium 198). Jesus enfrentou essa mesma tentação - Ele que veio para ser pobre com os pobres, para manifestar o Deus que opta preferencialmente por eles, é tentado a confiar nas riquezas. Para o diabo - e para o nosso mundo que idolatra o bem-estar material e o lucro, mesmo às custas da justiça social - Jesus afirma: “Você adorará o Senhor seu Deus, e somente a Ele servirá” (v. 10)  Realmente, podemos nos encontrar nas tentações de Jesus. O “ter”, o “poder” e o “prazer” são coisas boas, quando utilizados conforme a vontade de Deus, mas altamente destrutivas quando tomam o lugar de Deus em nossa vida! Jesus teve que enfrentar o que nós hoje enfrentamos - o “diabo” que está dentro de nós, o tentador que procura nos desviar da nossa vocação de discípulos. O texto nos coloca diante da orientação básica para quem quer ser fiel à sua vocação cristã: “Você adorará o Senhor seu Deus, e somente a Ele servirá” (v. 10)  O texto nos ensina que Jesus, Filho e Servo, vencerá a hostilidade à sua missão pela sua fé obediente, e libertará as pessoas dominadas pela força do mal. Mas, a tentação não era de um momento só - voltará mais vezes na vida de Jesus, como na nossa. Aparecerá de novo no caminho de Cesaréia de Filipe, no Horto das Oliveiras e especialmente na Paixão - a suprema investida do diabo! Diante das várias opções disponíveis, diante dos diversos modelos de messianismo, Jesus teve que discernir a vontade do Pai. É o desafio da vida cristã hoje.

Tomaz Hughes SVD O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.

2º Domingo de Quaresma (12/03/2017) Mt 17, 1-13 “Este é o meu Filho amado, que muito me agrada”

Esse trecho vem logo após o diálogo com Pedro e os discípulos sobre quem era Jesus e como deveria ser o seu seguimento: “Se alguém quer me seguir, renuncie a si mesmo, tome cada dia a sua cruz, e me siga” (Mt 16, 24). Começando a passagem com as palavras “seis dias depois,” Mateus quer ligar estreitamente o texto com a mensagem anterior sobre a cruz. Neste momento Jesus “subiu à montanha” (v. 1), e aparecem Moisés e Elias.  Talvez para nós a identidade dos dois personagens não tenha tanta importância – eram duas figuras destacadas do Antigo Testamento, mas poderia ser Davi, Isaac, Jeremias ou qualquer outro duplo.  Mas não era assim para os destinatários do Evangelho de Mateus.  Moisés era considerado como o patrono da Torá, da Lei e Elias era visto como o pai do profetismo. Assim Mateus quer mostrar que Jesus está em continuidade com as Escrituras, isto é, o caminho que Jesus segue está de acordo com a vontade de Deus. Os dois personagens, tanto Moisés como Elias, eram profetas rejeitados e perseguidos no seu tempo - Mateus aqui vislumbra o destino de Jesus, de ser rejeitado, mas também de ser reivindicado por Deus. E Pedro faz uma sugestão descabida: “Senhor, é bom ficarmos aqui. Se queres, vou fazer aqui três tendas: uma para Ti, uma para Moisés e outra para Elias” (v. 4). Claro, era bom ficar ali, em um momento místico, longe do dia-a-dia, da caminhada, das dúvidas, dos desentendimentos, da luta. Quem não iria querer? Mas não era uma sugestão que Jesus pudesse aceitar. Terminado o momento de revelação Jesus estava sozinho, e “desceram da montanha” (v. 9). Por tão gostoso que pudesse ser ficar no Monte Tabor (a tradicional identificação da montanha do texto), era preciso descer para enfrentar o caminho até o Monte Calvário! A experiência da Transfiguração está intimamente ligada com a experiência da cruz! Quem sabe, talvez a força da experiência do Tabor tenha dado a Jesus a coragem necessária para aguentar a experiência bem dolorida do Calvário!  Podemos assim concluir que todos nós devemos subir Monte Tabor para sermos transfigurados e para depois descermos para “lavar os pés” dos irmãos e irmãs! Todos nós - seja qual for a nossa vocação - precisamos de momentos de oração profunda, de união especial com Deus. Mas estas experiências não são “intimistas” - nos aprofundam a nossa fé e o nosso seguimento, para que possamos seguir o exemplo d’Ele que lavou os pés dos discípulos: “Eu, que sou o Mestre e o Senhor, lavei os seus pés; por isso vocês devem lavar os pés uns dos outros” (Jo 13, 14). Também este trecho pode nos ensinar a valorizar os momentos de “Tabor”, os momentos de paz, de reflexão, de oração, pois se formos coerentes com a nossa fé, teremos muitas vezes de fazer a experiência de “Calvário”! Somos fracos demais para aguentar esta experiência - por isso busquemos forças na oração, na Palavra de Deus, na meditação, - mas sempre para que possamos retomar o caminho, como fizeram Jesus e os três discípulos! Para os nossos momentos de dúvida e dificuldade, o texto nos traz o conselho melhor possível, através da voz que saiu da nuvem: “Este é o meu Filho, que muito me agrada. Escutem o que ele diz!” (v. 5). É a mesma orientação da Mãe do Senhor na história das Bodas de Caná quando ela diz aos serventes “Façam tudo o que Ele lhes disser”(Jo 2, 5).  Façamos isso, e venceremos os nossos Calvários!

Tomaz Hughes SVD

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3º Domingo de Quaresma (19/03/2017) Jo 4, 5-42 “Aquele que beber desta água que eu vou dar, esse nunca mais terá sede”

O texto de hoje, quase um capítulo inteiro, é tirado do Quarto Evangelho, e portanto, tem que ser interpretado levando em conta as características do Evangelho de João - entre eles, o uso de símbolos (pessoas, eventos, coisas e números) e de “mal-entendidos” para dar oportunidade para uma explicação mais profunda sobre a pessoa e missão de Jesus. O capítulo é tão denso, que é impossível fazer jus ao seu conteúdo em uma curta reflexão. O relato vem da Comunidade do Discípulo Amado, onde certamente havia muitos samaritanos, vistos como impuros pelo judaísmo oficial. Embora os Sinóticos desconheçam qualquer ministério de Jesus entre os samaritanos, a Samaria foi palco de um dos primeiros trabalhos missionários da Igreja primitiva (At 1, 8; 8, 1-25). Os samaritanos eram descendentes da mistura entre os Israelitas do Reino do Norte e os migrantes pagãos, que foram levados à Samaria pelos Assírios, depois da queda do Reino de Israel em 721 a.C. O segundo livro dos Reis conta que os Assírios deportaram uma grande parte da população de Israel e levaram para lá gente de cinco nações pagãs (2Rs 17, 1-6. 24-41). Essas pessoas trouxeram a sua religião original, mas também adotaram o javismo como culto “ao Deus da terra”, formando assim uma religião com fortes traços de sincretismo. Os samaritanos aceitaram somente os cinco livros da Lei, rejeitando os profetas e toda a ênfase sobre o Templo de Jerusalém. Isso causou muito conflito com os Judeus, e no século antes de Jesus o Sumo Sacerdote de Jerusalém destruiu duas vezes o seu Templo no Monte Gazirim. Esse contexto histórico é essencial para entender o diálogo de Jesus com a mulher sobre os seus “cinco maridos”. Eles simbolizam os cinco Deuses dos povos que colonizaram Samaria e “aquele que você tem agora que não é seu marido” é o javismo sincretista dos samaritanos, pois “marido” é um símbolo profético para indicar Javé na sua relação com a sua esposa, o povo de Israel. O diálogo segue a técnica típica joanina do ‘mal-entendido” (o diálogo com Nicodemos também). Falando da água, a mulher entende somente água natural; mas Jesus se refere à sua revelação divina e ao Espírito Santo, água viva que será dada a quem aceita Jesus. Pode-se entendê-lo também como símbolo da água do batismo, que confere o Espírito Santo, e que é “uma fonte de água que jorra para a vida eterna” (v. 14). No debate sobre o local de adoração de Deus, Jesus demonstra que no Novo Israel (a Igreja) a localidade não importa, porque o culto nascerá do Espírito de Verdade. Diante dessa nova revelação, outros debates casuísticos perdem o seu sentido! Uma lição para hoje, quando perdemos tempo discutindo inutilmente se se deve cultuar Deus na sábado ou no domingo, deste ou daquele jeito! Frequentemente partimos do que nos divide, muitas vezes coisas absolutamente secundárias, em lugar de olhar ao que nos une. A mulher samaritana, diante do encontro com Jesus, torna-se missionária do seu próprio povo. A evangelizada torna-se evangelizadora. Não é possível encontrar-nos com a Vida Nova em Jesus sem que nos tornemos missionários - não proselitistas, angariando adeptos para a nossa confissão religiosa, mas missionários, alastrando a mensagem do Reino de Deus entre nós, na construção de um mundo onde todos “tenham a vida e a vida plenamente” (Jo 10,1 0). É importante não reduzir este texto a uma leitura moralizante - como se a mulher fosse da má fama, e agora se convertesse para uma vida regular! É muito mais profundo. Quem faz a experiência de intimidade com Jesus, a encarnação do Deus da vida, necessariamente entre em um processo de conversão, no seguimento do Mestre, e torna-se missionário da Boa Nova. Nunca cansemos nessa busca da água viva, pois só ela pode nos satisfazer. Peçamos com a mulher “Senhor, dá-nos essa água para que não tenha mais sede”. O texto mostra bem como a proposta de Jesus para os seus seguidores é inclusiva - a mulher representa os que são excluídos, por motivo de pobreza, gênero, raça ou religião. Jesus não aceita a exclusão de quem quer que seja. Até os discípulos se chocaram quando encontraram Jesus dialogando com a mulher, pois as suas cabeças ainda trabalharam com os conceitos de “puro e impuro”, de “eles e nós”. Jesus veio para acabar com essas divisões, muitas vezes criadas em nome da religião e de Deus, com consequencias desastrosas. O contato com a fonte de água viva nos impulsiona para a criação de comunidades alternativas, baseadas na vivência de solidariedade, paz e justiça, na dinâmica do Reino de Deus.

Tomaz Hughes SVD

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4º Domingo de Quaresma (26/03/2017) Jo 9, 1-41 “Eu sou a luz do mundo”

Continuando a série de leituras evangélicas que procuram ensinar verdades sobre a pessoa e a missão de Jesus durante a Quaresma, o texto de hoje é novamente um texto comprido, um capitulo inteiro, tirado do Evangelho de João.  Como no Domingo passado (a Samaritana), encontramos novamente traços característicos do Quarto Evangelho – o uso de dualismo, como luz/escuridão, cegueira/visão, de símbolos, de ironia e de mal-entendidos.  Tudo para proclamar a fé da comunidade joanina que Jesus era “a luz do mundo” (v.5). O texto nos traz o único relato no Novo Testamento da cura de um cego declaradamente de nascença.  Sto. Agostinho via na cegueira uma referência ao pecado original, e na passagem da cegueira à visão, o símbolo da passagem da incredulidade e da morte à fé e à vida.  Assim, o cego curado simbolizaria todos os que chegam à plenitude da fé pelo batismo.  Usando a sua característica de jogo de palavras, o autor do Quarto Evangelho enfatiza o nome da piscina onde ocorre a cura – Silóe, que significa “enviado”. Em mais uma alusão à liturgia batismal, João insiste que a cura da cegueira mortal ocorre através de Jesus – O Enviado do Pai.  Na arte das catacumbas, a cura do cego simboliza o batismo. Analisando as etapas da história, podemos encontrar uma progressão na fé do cego, através de três interrogatórios.  Ele é interrogado pelos vizinhos (vv. 8-12), pelos fariseus (vv. 13-34) e pelo próprio Jesus (vv. 35-41).  A cada passo ele aprofunda o seu conhecimento de Jesus.  Aos vizinhos ele responde que Jesus é simplesmente um homem. Diante dos fariseus, ele reconhece que Jesus é um profeta.  No diálogo com Jesus ele chega a proclamar que Jesus é o Filho do Homem, a grande figura messiânica do Livro de Daniel e do livro apócrifo de Enoc, o enviado de Deus. A história reflete algo da situação da comunidade joanina pelo fim do primeiro século.  Na verdade, no tempo de Jesus, ninguém era expulso da comunidade judaica por acreditar no seu messianismo.  Isso acontecia após 85 a.C. com a reconstituição do judaísmo após a destruição de Jerusalém através do esforço feito por um grupo de doutores de Lei para reorganizar o povo através da fidelidade à Lei e à sua interpretação farisaica.  Por isso, a confissão da sua fé em Jesus custa ao curado a perseguição e a expulsão, situação vivida pela comunidade joanina.  Mas, se custou a expulsão da comunidade judaica, também lhe trouxe a verdadeira luz da vida, a vida plena em Jesus. O último parágrafo usa a ironia, tipicamente joanina.  Os fariseus perguntam cinicamente a Jesus, se ele os considera cegos.  Ele retruca que a situação deles é muito pior – não é que não possam ver, é que não querem ver!  A história iniciou-se com uma declaração, contrariando opiniões de muitos mestres da Lei daquela época, que a cegueira física não é causada pelo pecado (v.3).  Termina afirmando que a cegueira pior, a espiritual, realmente é consequência do pecado. A missão de Jesus no mundo causa uma inversão de situações: os que estão cegos, mas que chegam à fé, são curados e recebem a revelação da Luz do mundo, enquanto aqueles que se ufanam de ser os esclarecidos se fecham nos seus sistemas religiosos e ideológicos, mergulhando-se cada vez mais na trevas e na perdição. Quanta cegueira em nosso mundo, diante de situações cada vez mais gritantes da exclusão e sofrimento!  Basta ver a nossa indiferença diante da situação do nosso planeta, sendo lentamente destruído e nome de um pretenso progresso, tema tocado este ano pela Campanha de Fraternidade, que na verdade não é mais do que a busca desenfreada de lucro para uma elite. Como podemos continuar a ignorar o escândalo do tráfico humano em todos os sentidos?. Quantas vezes a fé em Jesus é proclamada como se fosse somente uma série de dogmas, em lugar do seguimento daquele que é “Luz do mundo”.  O nosso encontro com O Enviado tem que iluminar os olhos da nossa mente e espírito, para que vejamos o mundo com os olhos de Jesus, e tornemos a nossa fé uma vivência da mística do seguimento dele, continuando a missão de Jesus que disse “enquanto estou no mundo, sou a luz do mundo”.

Tomaz Hughes SVD

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