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Envolvidos no clima santo do tempo de Natal a Mãe Igreja nos convida a celebrar hoje a SAGRADA FAMÍLIA. O tempo do Natal associa ao mistério da Encarnação os temas complementares da Sagrada Família e da “Mãe de Deus”. A festa de hoje situa a Encarnação de Jesus no quadro da família, célula básica da sociedade humana. Focaliza, por conseguinte, a condição humana de Jesus e sugere algumas atitudes concretas para a vida cristã, para a vida familiar. Não se trata de encontrar um receituário de vida moral, pura e simplesmente. Mas de pistas para adequar a vida familiar à sociedade focando o mistério da família de Nazaré, para voltarmos à nossa situação, aqui e agora, imbuídos do mesmo espírito de fé que viveu a família sagrada.

Os problemas da família humana são apresentados pela liturgia de hoje: a insegurança, a morte que ronda e nem sempre conduzida só pela mão da natureza; a violência, a corrupção, o hedonismo desvairado, situações dificílimas da vida humana. De outro lado vivemos também, com coragem, a grandeza de Deus que se apresenta confiante, prudente como a Sagrada Família em tomar decisões que protejam ao Filho de Deus. Assim Jesus é apresentado por Mateus como o Novo Moisés, o LIBERTADOR e fundador de um novo povo de Deus; Jesus escondido e perseguido, é o Filho do Eterno Pai, a plenitude das promessas de Deus e a esperança salvadora das criaturas humanas.

 

Herodes havia mandado matar todas as crianças para ver se aniquilava com Jesus. Assim, depois da morte de Herodes, a Palestina foi dividida entre três filhos seus: Arquelau ficou com a Judéia, a Samaria e a Iduméia; Felipe ficou com a parte oriental e norte da Galiléia; Herodes Antipas ficou com a Galiléia e a Peréia. É esse Herodes que vai mandar matar João Batista e terá parte na paixão de Jesus. Era muito astucioso, a ponto de Jesus chamá-lo de Raposa. O mais violento dos três, entretanto, era Arquelau. Tão cruel e autoritário, que o imperador romano Augusto se viu obrigado a depô-lo e exilá-lo. E no seu lugar nomeou um “Procurador” romano na pessoa de Pôncio Pilatos que ocupou o posto por 10 anos.

Porque a Sagrada Família teve que fugir para o Egito? Para que Jesus não fosse vítima destes facínoras. A prudência de José, o justo pai adotivo de Jesus, levou a família para o Egito. Depois de algum tempo Jesus foi levado para Nazaré aonde passou a sua juventude e uma fase anterior a sua vida pública. Por isso Jesus foi chamado de “O Nazareno”.

É importante ressaltar que Jesus foi considerado o novo Moisés. Muito maior do que o Moisés que tirou o povo da escravidão e o encaminhou para a terra prometida. Jesus nos tira do pecado e nos dá a graça, nos tira da morte e nos anuncia a vida eterna, a vida santa. Jesus sempre foi o Sacerdote, o profeta, o legislador, o homem de Deus, o amado de Deus.  Jesus, filho de Deus, era  sacerdote do altar da aliança nova e eterna, era o amor de Deus encarnado no meio dos homens e das mulheres. Moisés devolvera ao povo a confiança; devolvera ao povo a liberdade; fê-lo caminhar na busca da terra prometida; e sobretudo, refizera o relacionamento do povo com Deus.

Jesus fugiu e voltou para o seu povo, demonstrando o amor permanente e fiel de Deus ao seu povo, enquanto o povo se tornava sempre de novo infiel e desregrado. Jesus vem tirar o pecado do mundo e e fazer do povo infiel e ingrato um “povo escolhido, uma nação santa… revestida de luz… e um povo de Deus”.

O Evangelho de hoje(cf. Mt 2,13-15.19-23) mostra uma família do povo, sujeita a toda espécie de sacrifícios e tribulações. Uma família que permanece unida nas dificuldades e nas desgraças. Uma família que, apesar de santa e agradável a Deus, padece, angustia-se, sofre. É visível a lição de que o sofrimento não é, por si, castigo do pecado. Desde a infância, Jesus passa pelo sofrimento, sobretudo pelo sofrimento causado pela estupidez e cobiça do poder dos outros opressores. Isso vale para todos nós que passamos pelas tribulações e pelos sofrimentos. Somente com resignação, coragem, fé e amor em Deus Uno e Trino vamos vencer o mal e triunfar o bem e a vida plena.

No Evangelho a fuga ao Egito e a instalação do lar em Nazaré. As três etapas da infância de Jesus: Belém, Egito e Nazaré, não são mera casualidade. Deus o conduz e seus pais o protegem. Mateus quer mostrar que, nestas etapas, se realiza a vinda da salvação para Israel. Plenifica-se a missão do povo que também migrava um dia do Egito à terra prometida. Jesus, o novo Moisés, criará, de judeus e pagãos, o novo povo de Deus.

Este episódio do “Evangelho da Infância” apresenta-nos uma família – a Sagrada Família – que, como qualquer família de ontem, de hoje ou de amanhã, se defronta com crises, dificuldades e contrariedades (essas dificuldades que, em tantos outros casos, acabam por minar a unidade e a solidariedade familiar). A Sagrada Família é também uma família onde se escuta a Palavra de Deus e onde se aprende a ler os sinais de Deus. É na escuta da Palavra que esta família consegue encontrar as soluções para vencer as contrariedades e para ajudar os membros a vencer os riscos que correm; é na escuta de Deus que esta família consegue descobrir os caminhos a percorrer, a fim de assegurar a cada um dos seus membros a vida e o futuro. A Sagrada Família é, ainda, uma família que obedece a Deus. Diante das indicações de Deus, não discute nem argumenta; mas cumpre à risca os desígnios de Deus. E é precisamente o cumprimento obediente dos projetos de Deus que assegura a esta família um futuro de vida, de tranquilidade e de paz.

Neste tempo de Natal convém não esquecermos o tema central à volta do qual se constrói o Evangelho que hoje nos é proposto: Jesus é o Deus que vem ao nosso encontro, a fim de cumprir o projeto de salvação que o Pai tem para os homens. A sua missão passa por constituir um novo Povo de Deus, dar-lhe uma Lei (a Lei do “Reino”) e conduzi-lo para a terra da liberdade, para a vida definitiva.

Meus irmãos,

A Primeira Leitura(cf. Eclo 3,2-6.12-14) anuncia a grandeza de Deus: “Como são belos os pés que anunciam a paz, noticia a felicidade e traz uma mensagem de salvação: Deus reina e nos ama!”. Por isso o Livro do Eclesiástico anuncia o comportamento que deve reinar na vida familiar, chamando os homens a honrar o seu pai, para alcançar o perdão de seus pecados, pois quem respeita a sua mãe é como alguém que ajunta tesouros. O escritor sagrado manifesta a necessidade de se amparar os pais na velhice, sendo compreensivo, humildade e caridoso, assim seus pecados serão perdoados. Todas estas atitudes são atitudes relevantes do quarto mandamento do Decálogo – honrar pai e mãe. A identidade de um povo se mede, em certo sentido, pela relação familiar, pelo respeito, pelo amor e pelo cuidado que se cultiva para com os pais. É bom notar que esta leitura apresenta regras para a vida familiar – Regras da sabedoria judaica para a vida familiar. Prevalecem o respeito importante aos pais, o bom comportamento e o bom senso que deve reinar na vida familiar.

Reconhecer que os pais são o instrumento através do qual Deus concede a vida deve conduzir os filhos à gratidão; e a gratidão não é, apenas, uma declaração de intenções, mas um sentimento que implica certas atitudes práticas. O livro do Eclesiástico aponta algumas: “honrar os pais” significa ampará-los na velhice e não os desprezar nem abandonar; significa assisti-los materialmente – sem inventar qualquer desculpa – quando já não podem trabalhar (cf. Mc 7,10-11); significa não fazer nada que os desgoste; significa escutá-los, ter em conta as suas orientações e conselhos; significa ser indulgente para com as limitações que a idade ou a doença trazem. É verdade que a vida de hoje é muito exigente a nível profissional e que nem sempre é possível a um filho estar presente ao lado de um pai que precisa de cuidados ou de acompanhamento especializado. No entanto, a situação é muito menos compreensível se o afastamento de um pai do convívio familiar (e o seu internamento num lar) resulta do egoísmo do filho, que não está para “aturar o velho”. Esta leitura fornece indicações práticas para nos ajudar a construir famílias felizes, que sejam espaços de encontro, de partilha, de fraternidade, de amor verdadeiro.

Por isso, com o Salmo Responsorial(cf. Sl. 128) cantamos: Felizes os que temem o Senhor e trilham seus caminhos!

Na segunda leitura(cf. Cl 3,12-21), São Paulo, orienta sobre a convivência familiar baseando-se, acima de tudo no amor, que é vínculo de perfeição, e também no perdão e na paz em Cristo. Conclamando para o perdão, esta atitude é vivida na família, que exige desprendimento e perdão. Paulo faz recomendações a todos os membros do núcleo familiar, sempre relacionado a atitude de um e de outro: “Mulheres, sede submissas a vosso marido, como convém no Senhor”(cf. Cl 3,16), portanto com a dignidade de pessoa humana, conservando a integridade dos valores cristãos. “Maridos, amai vossa esposa e não sejais ásperos com ela”(cf. Cl 3,19), seguido da recomendação aos filhos: “…obedecei em tudo aos vossos pais, pois isto agrada ao Senhor”(cf. Cl 3,20). Como observamos São Paulo sublinha que o amor de Cristo deve fundamentar as regras da vida familiar – Por isso Paulo cita brevemente as regras da boa família helenística. A norma, porém, de tias regras não é o mero bom comportamento, mas Cristo mesmo. Ele dá aos homens viverem juntos na paz e no amor. Isso vale para a família e para a comunidade. Onde vive a paz, a Palavra de Cristo encontra acolhida; aí também descobre-se a alegria na oração e no trabalho em comum, no cotidiano de nossos dias.

O que é que significa, concretamente, “revestir-se do Homem Novo”? Para o autor da carta, viver como “Homem Novo” é cultivar um conjunto de virtudes que resultam da união do cristão com Cristo: misericórdia, bondade, humildade, mansidão, paciência. Lugar especial ocupa o perdão das ofensas, a exemplo de Cristo que sempre manifestou uma grande capacidade de perdão. Estas virtudes, que devem ornar a vida do cristão, são exigências e manifestações da caridade, que é a fonte de onde brotam todas as virtudes do cristão. Catálogos de exigências como este apareciam também nos discursos éticos dos gregos. O que é novo, aqui, é a fundamentação: tais exigências resultam da íntima relação do cristão com Cristo; viver “em Cristo” implica viver, como Ele, no amor total, no serviço, na disponibilidade, no dom da vida.

Uma vez apresentado o ideal da vida cristã nas suas linhas gerais, o autor da carta aplica o que acabou de dizer ao âmbito mais concreto da vida familiar. Às mulheres, recomenda o respeito para com os maridos (a referência à submissão das esposas deve ser entendida na perspectiva da linguagem e da prática da época); aos maridos, convida a amar as esposas, evitando o domínio tirânico sobre elas; aos filhos, recomenda a obediência aos pais; aos pais, com intuição pedagógica, pede que não sejam excessivamente severos para com os filhos, pois isso pode impedir o normal desenvolvimento das suas capacidades. Para uns e para outros, é essa “caridade” (“agapê”) – entendida como amor de doação, de entrega, a exemplo de Jesus que amou até ao dom da vida – que deve presidir às relações entre os membros de uma família.

É desta forma que, no espaço familiar, se manifesta o Homem Novo, o homem transformado por Cristo e que vive segundo Cristo.

Viver “em Cristo” implica fazer do amor a nossa referência fundamental e deixar que ele se manifeste em gestos concretos de bondade, de perdão, de doação, de compreensão, de respeito pelo outro, de partilha, de serviço. A nossa primeira responsabilidade vai, evidentemente, para aqueles que conosco partilham, de forma mais chegada, a vida do dia a dia (a nossa família). As mulheres não gostam de ouvir São Paulo pedir-lhes a submissão aos maridos. No entanto, não devem ser demasiado severas com o autor desta carta: ele é um homem do seu tempo, que usa a linguagem do seu tempo e que coloca as coisas nos termos à volta dos quais se organizavam as comunidades familiares da época. Não podemos exigir ao autor desta carta (que escreve há quase dois mil anos) a mesma linguagem e a mesma sensibilidade que temos hoje, a propósito destas questões. Apesar de tudo, convém recordar que o autor da Carta aos Colossenses não se esquece de pedir aos maridos que amem as suas mulheres e que não as tratem com aspereza: sugere, desta forma, que a mulher tem, em relação ao marido, igual dignidade.

Jesus é a comunicação de Deus, é o que Deus significa para nós; e o que não condiz com Jesus contradiz Deus. O que Jesus fala e faz, é Deus é quem o fala e o faz. Que vivamos a intensidade deste tempo, vivendo como novos Cristos, também nossa carne, nossa vida e história, será uma palavra de Deus para nossos irmãos e irmãs, e mostrará ao mundo o verdadeiro rosto de Deus: um rosto de amor e de partilha.

O Papa Francisco, em 27 de outubro de 2013, por ocasião do encerramento da Jornada da Família ensinou que: “E há um último aspecto que tiramos da Palavra de Deus: a família vive a alegria. No Salmo Responsorial, encontramos esta expressão: «ouçam os humildes e se alegrem» (33,4). Todo este Salmo é um hino ao Senhor, fonte de alegria e de paz. Qual é o motivo desta alegria? É este: o Senhor está perto, escuta o grito dos humildes e os liberta do mal. Como escrevia São Paulo: «Alegrai-vos sempre… O Senhor está próximo!» (Fl 4,4-5). Pois bem… gostaria de fazer uma pergunta hoje. Mas, cada um leva esta pergunta no seu coração, para a sua casa, certo? É como um dever de casa. E responde-se sozinho. Como se vive a alegria, na tua casa? Como se vive a alegria na tua família? Bem, dai vós mesmos a resposta. Queridas famílias, como bem sabeis, a verdadeira alegria que se experimenta na família não é algo superficial, não vem das coisas, das circunstâncias favoráveis… A alegria verdadeira vem da harmonia profunda entre as pessoas, que todos sentem no coração, e que nos faz sentir a beleza de estarmos juntos, de nos apoiarmos uns aos outros no caminho da vida. Mas, na base deste sentimento de alegria profunda está a presença de Deus, a presença de Deus na família, está o seu amor acolhedor, misericordioso, cheio de respeito por todos. E, acima de tudo, um amor paciente: a paciência é uma virtude de Deus e nos ensina, na família, a ter este amor paciente, um com o outro. Ter paciência entre nós. Amor paciente. Só Deus sabe criar a harmonia a partir das diferenças. Se falta o amor de Deus, a família também perde a harmonia, prevalecem os individualismos, se apaga a alegria. Pelo contrário, a família que vive a alegria da fé, comunica-a espontaneamente, é sal da terra e luz do mundo, é fermento para toda a sociedade. Queridas famílias, vivei sempre com fé e simplicidade, como a Sagrada Família de Nazaré. A alegria e a paz do Senhor estejam sempre convosco!”

A família deve ser reencontrar o seu lugar primordial na vida da sociedade, como célula mater da sociedade. O Santo Padre reafirma, constantemente que somente a família conforme a vontade de Deus pode receber a graça de Deus e a santificação do lar edificado sob as bênçãos da Igreja. O critério supremo de vida da família deve ser procurado no exercício da caridade, que é a verdadeira fonte da unidade familiar. Este exercício só é possível se as fronteiras da família forem as do reino da fraternidade universal. A vida familiar não pode ser vivida na verdade se não for aberta ao transcendente, ao Divino que se nos visita, com a encarnação do Menino Deus, o Deus Conosco, o Emanuel!

Padre Wagner Augusto Portugal