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Mc 1, 21-28 “O que significa isso? Um novo ensinamento, dado com autoridade”
O evento relatado no texto de hoje demonstra um dos temas básicos do Evangelho de Marcos - e de todos os Evangelhos - o confronto entre o Reino de Deus, concretizado na pessoa e projeto de Jesus, e o do mal, expressado, na linguagem e mentalidade daquele tempo, na imagem de um homem doente “possuído por um espírito impuro”. Marcos vai seguindo a caminhada de Jesus, sempre com esta luta como pano de fundo, até o conflito definitivo no Calvário, que leva, não através de milagres mas da Cruz, até à vitória definitiva na Ressurreição. Tipicamente, Marcos enfatiza que Jesus ensinava - mas, como é costume dele, não nos explicita que Ele ensinava.

Ilustra o conteúdo do ensinamento do Mestre relatando uma ação d’Ele - a cura de um homem “possesso”, ou seja, libertando alguém do domínio do mal. Aqui não devemos nos fixar na cosmovisão da época - que tratava toda doença como expressão de um espírito mau, pois o conhecimento da medicina, psicologia etc. era muito rudimentar – mas, concentrar-nos no que o evangelista quer nos mostrar, que na chegada do Evangelho do Reino acontece a libertação verdadeira, onde o mal e o pecado, com todas as suas expressões, estão derrotados pelo bem. No relato de hoje, com as imagens usadas, os dois poderes estão frente a frente - o bem contra o mal.
Na história, o mal, falando através do homem, reclama contra a chegada do bem: “O que queres de nós, Jesus de Nazaré? Vieste para nos destruir?” O mal nunca aceita a chegada de um projeto alternativo; o poder que aliena e domina nunca aceita um ensinamento ou prática que liberta e conscientiza. Isso continua até hoje - enquanto as Igrejas se limitam a ações paliativas e assistenciais (sem negar o seu valor e urgência) diante do sofrimento das massas, ninguém vai reclamar; mas, quando as atividades eclesiais começam a conscientizar sobre as verdadeiras raízes do sofrimento do povo, as Igrejas e seus agentes são perseguidos. Temos o exemplo hoje de bispos proféticos como Dom Erwin Krautler, no Xingú, dos líderes indígenas e indigenistas na região de Dourados-MS e muitos outros. Como dizia o saudoso Dom Helder Câmara: “quando eu fazia campanhas em prol dos pobres, me diziam “o senhor é um santo”, mas quando comecei a perguntar porque existiam tantos pobres, me falaram “o senhor é um comunista!” - e sabemos o quanto o santo Dom Helder foi perseguido pelo poder dominador aqui no Brasil. O Papa Francisco nos alerta contra a possibilidade disso acontecer dentro das instâncias da Igreja, e, de fato, ele mesmo sofre muita pressão da parte daqueles que temem perder o seu poderio sobre as pessoas.
Então o relato nos ensina que com a chegada de Jesus – portanto, também através da ação das comunidades dos seus discípulos/as - algo essencialmente diferente acontece. Marcos sublinha isso pela reação do povo: “O que é isso, um ensinamento novo, dado com autoridade?” A diferença do ensinamento de Jesus não estava tanto no seu conteúdo, pois isso foi profundamente enraizado no Antigo Testamento, mas na sua maneira de ensinar. Ele não dependia de citar autoridades, como faziam os escribas, mas falava a partir da sua própria experiência de Deus, do Deus da vida e não do Deus que estava ofuscado por tantas leis, rituais e discussões legalistas e teológicas. Jesus devolveu ao povo a sua autonomia de consciência, libertou-o da dependência nos escribas, e revelou o verdadeiro rosto de Deus, que é partidário dos sofredores e demonstrou que é vontade de Deus que toda força que aliena, domina e oprime (aqui representada pela força demoníaca) seja derrotada pela mensagem libertadora do Evangelho. Não é difícil ver um paralelo com a atuação do atual Papa e como, dentro do pouco tempo, ele cativou tanta gente, que via a Igreja como opressora, rígida, sem compaixão. O Papa Francisco também, como fazia o seu antecessor João XXIII, irradia a presença do Reino de Deus – Reino de compaixão e misericórdia, de solidariedade e ternura.
Cabe a nós, os seus seguidores/as de Jesus de Nazaré, achar meios para praticar este projeto na nossa situação concreta, não correndo atrás de milagres, de falsos Messias, de uma Teologia de Retribuição ou de Prosperidade, mas seguindo o projeto do Nazareno, construindo uma Igreja, uma sociedade, uma economia, uma política de solidariedade, compaixão, justiça e fraternidade. Que essa ação comece no “micro” - na nossa família, comunidade, bairro, e Igreja, pois a opção entre os dois projetos de vida se dá cada dia, em cada opção e ação nossa.
Pe. Tomaz Hughes SVD