Lucas 21,5-19.
“Cuidado para que vocês não sejam enganados”
Chegando ao fim do ano litúrgico, encontramos uma das passagens chamadas “apocalípticas” de Lucas. É um texto realmente complexo, que olha em duas direções: lendo o que foi escrito pelo ano 85, o leitor pode olhar para trás para 19,47-21,4, e ver a conseqüência da rejeição de Jesus e do seu ensinamento pelos líderes do Templo (a destruição do Templo pelos Romanos sob Tito no ano 70d.C);  também o leitor pode olhar além dos eventos de Lucas 22-23 e ver a vindicação do Filho do Homem por Deus, e o fortalecimento por Jesus dos seus discípulos, que serão perseguidos por sua fidelidade a ele.  A passagem (que na realidade continua até v 38) pode ser dividida da seguinte maneira

1)    Introdução ( vv.5-7)
2)    Exortação inicial ( vv. 8-9)
3)    Desastres cósmicos ( vv. 10-11
4)    Eventos que precederão o fim do mundo - cristãos serão perseguidos; (vv. 12-19); a destruição de Jerusalém (vv. 20-24).
5)    Desastres cósmicos (vv. 25-33)
6)    Exortação final ( vv. 34-36)
7)    Inclusão com 19,47-48 (vv. 36-38)
    Este esquema mostra como no texto os eventos do fim do mundo são relacionados à destruição de Jerusalém, e assim sublinha a mensagem cristológica: a crise que Jerusalém enfrentou no ministério de Jesus é uma previsão da crise que ele e a sua mensagem, e especialmente a sua vinda como o Filho do Homem,  trarão a “todos aqueles que habitam a face de toda a terra”(v.35).
            Um termo que perpassa o texto a partir do v. 7 é “estas coisas”.  Este termo muda de referências durante a passagem - da destruição do Templo para a destruição de Jerusalém para a destruição do mundo todo.
            Mas os discípulos devem cuidar para não serem enganados por falsos Messias!  E não devem impressionar-se com guerras, revoluções ou outras eventos estrondosos.  Uma advertência que vale muito para os dias de hoje!! É só lembrar algumas reações fundamentalistas diante dos eventos mais chocantes nos dias de hoje!   Quantos falsos Messias, quanto pavor, quantos profetas de destruição!  Mas não é ainda o fim.
            A partir de versículo 12, Jesus procura animar os seus discípulos, para que possam agüentar a perseguição futura (que na verdade já estava começando no tempo de Lucas).  E a perseguição não viria somente da parte das autoridades do Império (a de Nero já tinha acontecido quase vinte anos antes, na cidade de Roma).  Os próprios pais, parentes e amigos tornar-se-iam perseguidores.  Realmente isso aconteceria a partir do ano 85, quando o judaísmo se reorganizou na forma rabínica , com o Sínodo de Jâmnia.  A partir de então crescia o racha entre cristãos e judeus, com os primeiros sendo expulsos da sinagoga, e vistos como traidores do seu povo, da sua herança, da sua fé javista.  Com certeza, no tempo de Lucas, muitos já estavam vacilando diante desta situação de insegurança e perigo, e por isso o evangelista destaca tanto a exortação de Jesus à perseverança e confiança.
            A situação nossa de hoje é bem diferente - nós não formamos uma minoria perseguida!  Mas a mensagem permanece válida - ser cristão implica carregar a cruz! Não é possível servir Jesus e os valores desta sociedade consumista e excludente!  Ser cristão é muitas vezes andar na contramão da sociedade, e acarreta necessariamente conflitos com um mundo regido por outros valores.  Uma Igreja acomodada, que não incomoda a sociedade vigente, não seria Igreja do seguimento fiel de Jesus.  Como é tentador buscar uma religião só de consolo e prática individual - uma religião que a sociedade até estimula, pois relega o Evangelho à esfera do íntimo, e tira dele a sua força transformadora.  Lucas não nos deixa esquecer que a fé em Jesus é altamente perigosa, pois não se conforma com o mal, e por isso mesmo exige o seguimento de Jesus “no caminho” - até Jerusalém, a cruz - e a Ressurreição.
Tomaz Hughes SVD
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