TRIGÉSIMO PRIMEIRO DOMINGO COMUM (30.10.11)

Mt 23, 1-12

“O maior dentro vós será vosso servo”

O capítulo 23 de Mateus funciona como um tipo de dobradiça, que termina a série de parábolas de julgamento e as controvérsias com as lideranças judaicas, que se iniciaram em 21, 23, e ao mesmo tempo introduz o último grande discurso, o da parusia, de Cap. 24-25. Contém algumas das linhas mais virulentas da Bíblia, palavras que - embora colocadas na boca de Jesus - refletem o ambiente polêmico de condenação mútua que existia entre a comunidade mateana e a liderança farisaica da sinagoga, especialmente depois de 85 d.C., quando as duas comunidades estavam engajadas em uma luta pela hegemonia do judaísmo, depois da destruição do Templo de Jerusalém.

 

É necessário entender que a comunidade de Mateus era formada quase totalmente por cristãos judeus, que se entenderam dentro do judaísmo. Porém, no esforço de reconstruir o judaísmo depois do desastre de 70 d.C., quando Jerusalém foi destruída, os fariseus assumiram a liderança e quiseram impor a sua interpretação da Lei sobre as sinagogas. A comunidade de Mateus rejeitava essa pretensão e assim entrou em conflito aberto com a liderança farisaica do judaísmo formativo. É esse ambiente de polêmica e acusação mútua que está subjacente aos textos do capítulo 23.

Diferente da comunidade de Marcos ou de Lucas, a de Mateus se preocupa ainda com a vivência da Lei - mas, rejeita a interpretação farisaica, que classifica como “amarrar fardos pesados” (v. 4). Desautoriza os fariseus, não pelo que falam, mas pelo que vivem - e adverte os membros da comunidade contra a tentação de praticar atos religiosos externos, para serem louvados pelos outros, e também contra o perigo de assumir títulos para se vangloriarem. Volta a insistir, como em outros trechos dos evangelhos, na necessidade de ser “grande” através do serviço aos irmãos.

Mesmo tirando o contexto polêmico histórico, que não vale para hoje, as palavras do nosso texto são atuais para os nossos dias. Pois, as tentações do poder e de prestígio são perenes! Se Mateus sentiu a necessidade de advertir os seus membros contra esses perigos, sem dúvida foi porque muita gente estava gostando dos elogios e títulos e descuidando do serviço humilde. Vale para nós hoje - e especialmente para quem tem qualquer liderança ou posição de destaque nas comunidades eclesiais! Todos esses ministérios existem para o serviço, e não para a glória própria.

Quanta correria às vezes atrás de títulos e rótulos, de manifestações externas de importância e prestígio! Por isso, o evangelho nos lembra que nosso único mestre é Jesus! Ele que mais provou, pela palavra e pela vida, que “o maior dentre vos será o vosso servo; todo aquele que se exalta será humilhado, e todo aquele que se humilha, será exaltado” (v. 12). Essas palavras combatem qualquer abuso de poder, mesmo incipiente, que eventualmente se acha entre as nossas lideranças, sejam elas ordenadas ou leigas. Todos nós somos sujeitos a cair nessa tentação. Que Jesus seja o nosso exemplo!

Vigésimo Sétimo Domingo Comum (02.10.11)

Mt 21, 33-43

“O Reino de Deus será entregue a uma nação que produzirá seus frutos”

A parábola de hoje é a segunda em uma série de três, referentes ao julgamento final de Deus sobre o seu povo (antes houve a parábola dos dois irmãos e virá ainda a da festa de casamento). Com certeza, a redação atual é resultado de uma longa história de transmissão oral e sucessivas redações. Na boca de Jesus, a história visava a sorte da vinha (v. 41); a tradição pré-sinótica concentrou a atenção na sorte do Filho, acrescentando a citação de Sl 118 e as alusões às Escrituras (vv. 42-44); finalmente, Mateus deixa claro que o advento do novo povo (v. 41) está ligado ao destino d’Aquele que fala e que deve ser condenado e morto, para depois ressuscitar (notas da Bíblia TEB).

Na sua forma atual, a parábola é uma alegoria da História da Salvação. “Os mensageiros” são os profetas, que foram matados pelo povo de Israel, culminando com Jesus, como o Filho. “O Reino” provavelmente se refere à promessa da bênção em plenitude, dos últimos tempos. “O Povo” se refere à Igreja - no caso de Mateus, composta principalmente de judeu-cristãos, mas também de pagãos ou gentios convertidos, que juntos formam o Novo Povo de Deus, o verdadeiro Israel. Essa conclusão de v. 43 é a principal contribuição de Mateus à interpretação da parábola, e é mais suave do que a própria parábola, pois os maus vinhateiros não serão destruídos, mas perderão a promessa.

Como o Evangelho de Mateus foi escrito em um contexto de polêmica entre a sua comunidade e o judaísmo formativo do fim do primeiro século, queria ensinar para a sua comunidade que a promessa antiga feita ao Povo de Deus foi retirada das autoridades farisaicas e das suas comunidades e dada à comunidade da Igreja. Mas, isso não dava às comunidades motivo para comodismo. Como o povo original perdeu a promessa porque “não deu fruto”, também a Igreja não a possui de modo incondicional.

Também as comunidades cristãs têm que “dar fruto” de justiça, fraternidade, solidariedade, e partilha. A História da Salvação nos mostra que Deus não se deixa manipular, nem permite que qualquer comunidade ou religião se torne “dona” d’Ele, mas que o seu verdadeiro povo é aquele que se dedica à construção dos valores do Reino de Deus. O texto convida a um sério exame e revisão das nossas práticas e estruturas, para que as nossas Igrejas cristãs não cheguem a merecer o destino dos vinhateiros, que, por não terem correspondido com a Aliança, viram a promessa retirada deles e dada a um outro povo “que produzirá os seus frutos” (v. 43).

 

VIGÉSIMO OITAVO DOMINGO COMUM (09.10.11)

Mt 22, 1-14

“Muitos são chamados, e poucos são escolhidos”

Hoje refletimos sobre a terceira parábola de uma trilogia sobre a rejeição ou a aceitação do convite ao Reino de Deus e às suas obras - a dos dois filhos (21, 28-32), da vinha (21, 33-44) e a de hoje - as bodas (22,1-14). Mais uma vez, as palavras de Jesus se dirigem aos chefes dos sacerdotes e anciãos - ou seja, aos que dominavam o sistema religioso vigente que oprimia o povo de Israel.

A imagem usada é de uma festa oriental de casamento - do filho de um rei. Mas, no texto de hoje a ênfase não cai no filho, mas na atitude dos convidados. Cumpre lembrar que muitas vezes, na Bíblia, a festa de bodas é símbolo da união alegre e definitiva de Deus como o seu povo. Os convidados que não dão valor ao convite são aqueles que se apegam ao sistema opressor para defender os seus próprios privilégios, e assim rejeitam a mensagem libertadora da “justiça do Reino” de Jesus, mesmo que isso implicasse no assassinato de profetas.

O versículo 7 é provavelmente um acréscimo feito depois da destruição de Jerusalém pelos Romanos no ano 70 d.C. quando a parábola teria recebido a sua forma definitiva. O texto correspondente de Lucas não traz esse detalhe.

O Novo Povo de Deus será aberto a todos que foram marginalizados pelo sistema antigo, dominado pelos sumos sacerdotes e anciãos. Esse é o significado de ir às encruzilhadas dos caminhos, onde se conglomeravam os marginalizados e rejeitados. Todos são convidados para o banquete do Reino - bons e maus. Assim o texto enfatiza a misericórdia de Deus que congrega na sua comunidade não somente os “bons”, mas também os pecadores.

De novo o texto nos traz uma advertência contra a complacência - quem não tem o traje de festa será expulso da festa messiânica. Esse traje é o da “justiça”, tema tão caro a Mateus. Não basta ser convidado - temos que responder com as obras da justiça do Reino. O convite é universal, mas exigente - urge a conversão de todos. Como os antigos chefes perderam o seu lugar no banquete do Reino, nós também poderemos sofrer o mesmo destino, se não procurarmos vivenciar os valores do Reino, com as suas obras de justiça e solidariedade. O último versículo, “porque muitos são chamados, e poucos são escolhidos”, nos adverte que muitos são chamados, mas que nem todos perseveram, e assim perdem o seu lugar.

VIGÉSIMO NONO DOMINGO COMUM (16.11.11)

Mt 22, 1-15

“Dai, pois, a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus”

Com o texto de hoje, entramos em um bloco de quatro unidades que tratam de diversas controvérsias com lideranças judaicas diferentes - os fariseus, os herodianos e os saduceus. A discussão de hoje talvez seja a mais conhecida, mas muitas vezes tem sido interpretada de maneira errada, projetando sobre Jesus os nossos preconceitos políticos e sociais.

É necessário entender que não se tratava de uma pergunta sincera feita a Jesus, mas de uma cilada. Pois, quem a faz são membros de dois grupos politicamente opostos e antagônicos - os herodianos, “pelegos” da dominação romana, e os fariseus, muitos dos quais olhavam os herodianos como impuros, por motivo da sua colaboração com o poder estrangeiro. Se Jesus respondesse que era lícito pagar o imposto, correria o risco de ser apresentado pelos nacionalistas como um opressor do povo. Se negasse, poderia ser denunciado pelos herodianos como subversivo político. É uma situação semelhante à da pergunta de João 8, 1-11 (a mulher adúltera), onde qualquer resposta deixaria Jesus em maus lençóis. Como naquela ocasião, Jesus se mostra verdadeiro mestre, escapando da cilada, e por cima, dando um ensinamento importante.

Primeiro, Ele deixa claro que Ele entende a jogada: “Hipócritas, por que me armais uma cilada?” Coloca os seus interlocutores contra a parede, pedindo uma moeda do imposto, e perguntando: “De quem são esta efígie e esta inscrição?” A inscrição seria “Tibério César Filho do Divino Augusto, Sumo Pontífice” - mostrando as pretensões do Império Romano à divinização. Com a resposta: “Dai, pois, a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”, Jesus joga para os seus ouvintes a pergunta essencial: o que pertence a César, e o que pertence a Deus? A Deus pertence a divindade, não ao Império Romano e nem a César. Assim, ele evita confirmar o projeto nacionalista violento de muitos judeus da sua época; mas, condena também qualquer projeto que divinizasse o poder civil. Uma advertência muito atual para os nossos dias, quando o único poder imperial hegemônico (muito semelhante à situação do Império Romano do tempo de Jesus), reivindica para si o poder de impor as suas decisões sobre todas as nações, taxando quem discorda da sua dominação ideológico, econômico e militar de “terrorista”. O poder civil existe para cuidar do povo - que é de Deus - e não para explorá-lo. Jesus assim nega as aspirações imperialistas e, evitando uma resposta direta à pergunta, relativiza todo e qualquer poder, pois o verdadeiro poder só pertence a Deus.

Nos nossos dias, ainda existem poderes com as mesmas aspirações dos Romanos. Embora não digam abertamente, os arautos do neo-liberalismo desenfreado divinizam um sistema que só visa o lucro e a ganância e explora o povo sofrido. As palavras de Jesus nos lembram que nenhum cristão pode compactuar com qualquer sistema - seja político, econômico ou religioso - que atribui a si o que pertence a Deus. O texto de forma alguma justifica um dualismo entre o espiritual (de Deus) e o material (de César). Pelo contrário, mostra que o poder político, econômico e religioso deve estar a serviço do bem comum, pois, ao contrário, está roubando o que é de Deus - o seu povo. Não se pode entregar às garras de um poder opressor, seja ele estrangeiro ou nacional, o que pertence ao Pai. O poder é legítimo quando está a serviço da vida e do bem-estar comum, e não de uns poucos privilegiados. “Dar a Deus o que é de Deus” não se resume em rituais religiosos, mas na construção de uma sociedade de solidariedade, justiça e fraternidade, onde todos possam “ter a vida e a vida em abundância” (Jo 10, 10). Na medida em que lutamos por esse objetivo, estaremos dando “a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”.

TRIGÉSIMO DOMINGO COMUM (23.10.08)

Mt 22, 34-40

“Desses dois mandamentos dependem toda a Lei e os Profetas”

Hoje, temos mais uma das controvérsias do Capítulo 22, esta vez com os fariseus. De novo, a pergunta feita por um legista não é para descobrir a verdade, mas para armar uma cilada para Jesus - o verbo traduzido aqui como “para O pôr à prova” é o mesmo usado em v. 22, 8 (“armar cilada”). O que seria o maior mandamento era discutido entre as diversas escolas rabínicas da época - para alguns o maior era o amor a Deus, para a maioria era a observância do sábado. O Antigo Testamento enfatiza a importância de amar a Deus e de amar o próximo (Lv 19, 18 e Dt 6, 5). A originalidade de Jesus está no fato de Ele assemelhar um ao outro, dando-lhes igual importância e, sobretudo, na simplificação e concentração da Lei (que tinha 613 mandamentos) em esses dois elementos. A colocação de Jesus exige uma forma correta de amor próprio - não de egoísmo, mas de auto-respeito. A ligação íntima dos dois mandamentos não é atestada antes de Jesus e marca um avanço moral importante.

Mais uma vez Jesus desloca o eixo da questão, como fez domingo passado na passagem sobre o imposto a César. Esta vez Ele se recusa a entrar em discussões fúteis sobre leis, para enfatizar o papel central do amor - tanto a Deus como ao próximo.

É importante frisar que o “amor” de que Jesus fala não é um mero sentimento ou emoção, como muitas vezes ocorre na linguagem de hoje. O amor é uma atitude de vida, uma fidelidade à Aliança com Deus, uma vivência solidária com os irmãos e irmãs. Obviamente, não é possível simpatizarmo-nos com cada pessoa, nem gostar de cada pessoa. Mas, é possível superar antipatias e aversões, na caminhada da construção do projeto de Deus para o nosso mundo.

A ligação essencial entre o amor a Deus e ao próximo torna-se muito urgente hoje em dia, quando se dá tanto espaço a pregações intimistas e formas alienantes de “espiritualidade”, que muitas vezes não passam de uma busca disfarçada de auto-realização, mas que jamais levam a um compromisso com a transformação da nossa realidade. A frase de Jesus desautoriza qualquer pregação religiosa que separa o amor a Deus do amor ao próximo - um amor não somente afetivo (que talvez muitas vezes nem possa ser), mas, efetivo - concretizando de maneira prática a solidariedade e a justiça.

O nosso texto nos adverte contra qualquer tendência alienante ou legalista - os mandamentos não são para serem discutidos, mas vividos no amor e no compromisso. Para os rabinos do tempo de Jesus, o mundo todo dependia da Lei, do serviço no Templo e dos atos de bondade. Mateus fez com que a própria Lei dependesse dos atos de amor solidário. Esse avanço feito por Jesus desafia a todos nós para que não caiamos na tentação perene de separar os dois aspectos do amor - não é possível amar a Deus sem que amemos o irmão, e o verdadeiro amor ao próximo brota do nosso amor a Deus.

Pe. Tomaz Hughes, SVD

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